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A NOVA PAISAGEM NATURAL

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Por Manuel Canelas

PRIMEIRO REMOVE-SE A FLORESTA NATURAL À BRUTA PARA DAR LUGAR À PRODUÇÃO DE ANIMAIS E CEREAIS. DEPOIS VÊM AS NOVAS CULTURAS DE CRESCIMENTO RÁPIDO À CONTA DE FERTILIZANTES E CURAS QUÍMICAS. COM A EROSÃO DOS SOLOS E COM A PERDA DA HUMIDADE NELE EXISTENTE VAI-SE O CICLO NATURAL DA ÁGUA E OS SEUS REGIMES PLUVIOMÉTRICOS; ACRESCENTEM-SE AS TÃO BADALADAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E ANOS MAIS TARDE É O QUE SE VÊ

A defesa e preservação da paisagem natural não é assunto de ‘laissez faire, laissez passser’ nem de assobiar para o lado como se nada se passasse. Assiste-se nos últimos tempos a uma moda que é a instalação de culturas super intensivas. Estas, por vezes, desvirtuam em muito aquilo que sempre foram os padrões das unidades de paisagem alentejanas.

Invoca-se para tal a necessidade imperativa de desenvolvimento local e crescimento económico, como bandeiras dessa cruzada olivícola. A importância do azeite na alimentação, principalmente na chamada dieta mediterrânica, associada aos apoios recebidos, quase obrigam a esquecer todo o rol de impactes ambientais provocada por esta plantação massiva de novos olivais. Desde os efeitos na saúde pública (alergias e problemas respiratórios) ao empobrecimento da biosfera por ausência da diversidade natural proporcionada pelas práticas agrícolas tradicionais, passando pela alteração paisagística operada nos campos, a prática agressiva das colheitas mecanizadas para a avifauna e ainda, o que é mais grave, o esgotamento de recursos hídricos subterrâneos ou armazenados em barragens, é grande a lista dos atropelos.

Tem de haver um limite para o ‘diktat’ da economia sobre a vida das pessoas. Esse neoliberalismo inconsciente que deixa faturas a pagar por quem vier atrás, é um modelo de desenvolvimento insustentável. As queixas têm sido encaminhadas para as autarquias, as quais têm um papel importante no assunto porque com Planos Diretores Municipais, podem delimitar as áreas para instalação de culturas, aplicar taxas dissuasoras pela emissão de pareceres ou estabelecer cinturas de proteção em redor dos seus aglomerados populacionais. Porém, sem resultados visíveis, a saga continua.

Mas de que falamos quando falamos de PAISAGEM NATURAL? A primeira referência à palavra ‘paisagem’ na literatura aparece no Livro dos Salmos, poemas líricos do Antigo Testamento, escritos por volta de 1000 A.C. Esses poemas eram cantados nos ofícios divinos do Templo de Jerusalém. No Livro dos Salmos, a paisagem refere-se à bela vista que se tem do conjunto de Jerusalém, com templos, castelos e palacetes do Rei Salomão. Essa noção inicial, visual e estética, estribada na conotação religiosa, foi adotada em seguida pela literatura e pelas artes em geral, principalmente pela pintura na segunda metade do século XVIII.

Além do retrato real da beleza da natureza, os pintores e escritores pré-românticos e românticos, assim como os simbolistas e os impressionistas, retratavam também a paisagem como um reflexo da ‘paisagem interior’, dos sentimentos de melancolia e solidão. Atualmente, na linguagem comum, a paisagem é definida como ‘um espaço de terreno que se abrange num lance de vista’. A palavra paisagem, etimologicamente, quer dizer país, região + agem, agir sobre a região. Possui, assim, conotações diversas em função do contexto e da pessoa que a usa.

Pintores, geógrafos, geólogos, arquitetos, ecólogos, agrónomos, operadores turísticos, etc. Todos têm uma noção própria do que é uma paisagem. Mas sem cair no primarismo de que a única paisagem que está certa é a paisagem da floresta virgem, que não é paisagem mas uma ocorrência natural, a paisagem é bela porque tal como a organização do Homem com as vertentes da vida, tem de ser harmónica e assumir-se como fator identitário: Esse espaço/campo visual vivenciado de diferentes formas através de uma projeção de sentimentos ou emoções pessoais, da contemplação de uma beleza cénica, da organização ou planeamento da ocupação territorial, da domesticação ou modificação da natureza segundo padrões sociais, do entendimento das relações dos seres vivos com o seu ambiente, ou como cenário de eventos históricos.

Em todos os casos há sempre uma noção de amplitude, de distanciamento. A paisagem nunca está no primeiro plano, pois ela é o que se vê de longe, de um ponto alto. Precisamos sempre de nos distanciar para observá-la e, de certa forma a paisagem é o lugar onde não estamos, podendo ser até ‘um pano de fundo’. A observação, a percepção e as múltiplas compreensões/ interpretações da paisagem sempre são feitas pelas lentes da formação científica e da cultura do observador.

O principal interesse da ecologia das paisagens está relacionado com o estudo da sua heterogeneidade. No entanto, o reconhecimento da homogeneidade ou heterogeneidade de um objeto está ligado à questão da escala: praticamente qualquer porção de terreno é homogénea numa escala abrangente e heterogénea numa escala mais detalhada. Daí o estabelecimento de uma teoria de mosaicos, procurando entender como diferentes mas complementares, os padrões de organização e funcionamento no interior da paisagem.

As alterações na paisagem natural não são um fenómeno novo. Ao longo dos tempos muitas têm acontecido através da ação humana, visando dar resposta ao crescimento populacional e às suas necessidades. Todavia sempre de forma integrada e sem os abusos que hoje presenciamos. No século XIX o pinheiro bravo substitui muitas das matas de carvalho então existentes e alguns soutos. Tal facto deveu-se à valorização da resina e da madeira então destinada às sulipas de caminho de ferro e esteios para as minas da Grã-Bretanha.

O milho chegado no século XVI ocupou muitos dos pastos das várzeas e obrigou à construção de socalcos, abertura de minas e poços. Na segunda metade do século XX aparecem as barragens e as culturas de regadio a elas associadas. A zona do Alto Sorraia, onde nos situamos, é fértil nessas novas ocorrências paisagísticas.

Abaixo do Tejo a matriz natural é os montados de sobro e azinho. São sistemas agro-silvo-pastoris eficientes e equilibrados, quando bem conduzidos, que se formaram a partir da mata primitiva: a charneca. Primeiro foi aberto o de azinho para alimentação da vara de porcos e, mais tarde, no litoral, o de sobro, quando em meados do século XX começou a valorizar-se a cortiça. O montado evita que as quedas pluviométricas mais fortes batam diretamente no chão, protegendo-o da erosão. A folhada caída ao longo do ano beneficia o teor em matéria orgânica do solo, aumentando a sua capacidade de retenção da água. Por sua vez, a sombra das copas evita a excessiva evaporação da água do solo, diminuindo as perdas de tão precioso líquido.

As paisagens tradicionais formaram-se tendo em consideração as características biofísicas, a necessidade de obter produtos essenciais às populações instaladas e segundo a maneira própria de cada comunidade entender a vida e o mundo. A construção da paisagem rural, é portanto, desde o início da humanização da terra, um ato cultural que se prolonga no plano das artes e na contemplação estética e poética dessa mesma paisagem. Até quando?

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