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Crónica

Não praticante!

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Crónicas de um missionário “Faz-te à vida”

Cheguei a Mora em 2000, já o susto do “bug do milénio” tinha passado, para fundar uma nova comunidade cristã não católica.

A expressão “não católica” é tão absurda quanto a sua irmã “não praticante”; e ambas vivem no nosso quotidiano como se fossem a coisa mais normal da vida afirmar uma coisa pelo seu contrário. Mas, religião à parte, a coisa não fica por aqui. É o caso das ONGs, as organizações “não governamentais” na área política e social ou “sem fins lucrativos” na área social e económica.

E parece até haver uma certa virtude em todos estes “não” ou “sem”. O sou cristão mas “não católico”, é mais ou menos assim: sou seguidor do Cristo, mas não estou sujeito a essas “coisas” do catolicismo. Ora católico quer dizer universal, logo, ser cristão “não católico” é, em termos semânticos pelo menos, afirmar-se minoritário, ser uma parte do todo, mas nunca o todo em si (universal). É o caso dos cristãos Ortodoxos, dos cristãos Coptas, ou dos cristãos Arménios. É o meu caso também como cristão Evangélico. Ora tanto quanto sei, nenhum destes ramos do cristianismo quer deixar de ser católico, isto é, universal. Daí que se refiram muitas vezes aos católicos como “romanos”, expressão que os mesmos não apreciam sobremaneira, mas que vem lá da primeira grande divisão do cristianismo que separou a igreja do oriente da igreja do ocidente dando origem à igreja Ortodoxa.

No caso do “não praticante” é uma expressão muito sui generis do nosso povo português. Sempre me lembro de uma resposta que alguém deu a um desses católicos “não praticantes”: “olhe eu também sou casto, mas não pratico”. Usar-se-á para além das nossas fronteiras? Talvez, não sei. Fora de Portugal só vivi no Brasil e lá também a ouvi, mas não tão frequentemente como em Portugal, onde, segundo algumas pesquisas mais recentes, esse número andará entre oitenta a noventa por cento dos que se afirmam de religião católica. Oitenta a noventa por cento de “não praticantes”.

Mas será que é só na religião que há “não praticantes”? Infelizmente parece que isto dos “não praticantes” está a invadir outras áreas da sociedade. Juízes (defensores da justiça) não praticantes; políticos (cuidadores da polis) não praticantes; médicos (cuidadores da saúde) não praticantes; capitalistas (detentores de capital) não praticantes [esta merece uma explicação; fica para mais tarde]; socialistas não praticantes; sociais democratas não praticantes; comunistas não praticantes, etc., etc. !!!

por “Faz-te à vida”
Missionário em Mora

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Atualidade

De pequenino é que se torce o pepino

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Empreendedorismo para crianças

Alguns dos leitores da minha primeira crónica ficaram curiosos com a minha assinatura “Faz-te à vida” Missionário em Mora. Achei que era uma boa altura para explicar, até porque tem a ver com o facto do Atão deste mês ser dedicado às crianças.

“Faz-te à vida” é a minha tradução provocante para a expressão inglesa que designa um certo tipo de missionários: os “tent maker”. Traduzindo à letra seria qualquer coisa como “fazedores de tendas”. Aliás essa é a tradução que se usa no Brasil. Em Portugal é mais comum usar a expressão em inglês (sem traduzir). A origem deste termo remonta ao início do cristianismo. Deriva da experiência do apóstolo S. Paulo durante o tempo que esteve na cidade de Corinto a dar início a uma nova comunidade cristã. Como missionário, em vez de depender das ofertas dos crentes como já tinha feito em ocasiões anteriores, ele juntou-se ao casal Priscila e Áquila no ofício de fazer tendas. Um negócio com bastante procura naqueles tempos em que quase todas as viagens obrigavam a pernoitar no caminho. E assim obtinha o seu sustento enquanto fazia o trabalho missionário.

Durante os primeiros anos do meu ministério fui sustentado por crentes de outras igrejas. Mas em Mora tive que me “fazer á vida”, ou seja, voltar à minha profissão de informático (também de professor) e tornar-me empresário para poder continuar a ser missionário. Mas a minha veia para o empreendedorismo vem de criança.

Sou neto de avós negociantes, tanto da parte de pai como da parte de mãe. Os meus avós paternos tinham um “Lugar” (nome que se dava ao que seria hoje uma Frutaria) onde se vendiam hortaliças e bananas que vinham das colónias em cachos inteiros embalados em grades de madeira enormes, maiores do que a minha altura. Os maternos tinham uma “Salsicharia” que não vendia salsichas. Era o nome que se dava ao que seria hoje um talho com enchidos de carne de porco.

Talvez um dia vos conte essa parte da história, mas hoje, o que vos quero contar, é sobre uma lembrança de infância. Para as crianças de hoje deve ser difícil de imaginar, mas, na minha infância, não havia televisão em casa. Na verdade nem eletricidade havia. Muito menos NetFlix, MBO, etc. e tal. Os serões eram passados ao canto do lume a ouvir as histórias da minha avó. Sim, fui criado a meias com a minha mãe e a minha avó. O meu pai era ferroviário (e Mora foi uma das estações onde trabalhou) e só vinha um dia por semana a casa que era à quarta-feira.

E as histórias que ouvia eram as histórias dos seus negócios. Dos porcos que avaliava, das misturas que fazia nos chouriços, e das voltas que dava para os clientes não lhe ficarem a dever.

Hoje, ao olhar para a nossa juventude, fico impressionado com a ausência de empreendedores. Fui professor de Educação Moral aqui na Escola de Mora durante alguns anos, e , fosse nas minhas turmas ou nas turmas dos meus colegas, nunca ouvi um aluno a dizer que queria criar uma empresa e dar emprego a muita gente. Todos eles queriam um bom emprego. Mas nenhum deles pensava em dar emprego a alguém algum dia.

“De pequenino se torce o pepino” é um ditado bem conhecido de toda a gente. De pequenino eu ouvi as histórias de empreendedorismo da minha avó. Com um detalhe, o negócio não era dela, era do meu avô. Naquela altura as mulheres não podiam estar á frente, tinham que ser os maridos. E essa era a parte mais fascinante das suas histórias. Como é que ela, como mulher, geria o negócio em nome do marido. É que o meu avô é que tinha de dar a cara e apertar a mão ao vendedor. Era assim que se negociava naquela altura.

Esta edição do Atão é dedicada às crianças, mas o meu apelo vai para os pais e avós porque, sem eles, elas não serão nada na vida. Contem histórias aos vossos filhos e aos vossos netos. “de pequenino se torce o pepino”, ou, numa versão bíblica, “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele” (Provérbios 22:6).

Feliz dia da criança!

por “Faz-te à vida”
Missionário em Mora

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