Ligue-se a nós

Cultura

Alentejo; no passado – Fornos Públicos….

Publicado

em

Por Rita Matos

Alentejo; no passado

Fornos Públicos….

Recordo que na minha infância, por volta do ano 1964, tinha eu seis anos de idade, existiam no mínimo três fornos públicos, na minha pequena vila de Ervedal, concelho de Avis. Onde três artesãs de mão cheia, mulheres humildes, honestas, trabalhadoras, eram intituladas de “forneiras.” As padeiras de Ervedal, não de Aljubarrota, de pá na mão desde o romper do dia e até noite dentro, coziam o saboroso pão alentejano, que saciava a nossa fome, era o sustento das famílias.

Pautília Maria do Nascimento, a Ti Patílha, como ficou conhecida, nasceu e viveu, na vila de Ervedal e era uma das três forneiras que cozeu pão ao longo de toda a sua vida. Era uma mulher com um temperamento muito forte. Gesticulava muito enquanto falava e fazia-o muito alto. Não tinha papas na língua. Sendo porém, um ser humano com um grande coração. Era conhecida por toda a população, novos e velhos. Esposa e companheira fiel, mãe e avó carinhosa e presente. Uma mulher lutadora. Por detrás desta grande mulher e artífice, encontrava-se um bravo companheiro de luta, que acarretava o mato que ardia e aquecia o forno da forneira do povo: José Barradas Bailador, mais conhecido por Ti Zé Bailador. Um homem humilde, de coração bondoso e respeitado por toda a população. Diariamente ao romper da madrugada, ainda o dia não raiava, seguia estrada fora conduzindo a sua velha carroça puxada por um só macho. Entrava pelo mato dentro, fizesse sol ou chuva, frio ou calor, não voltava para casa sem trazer uma enorme carrada de chamiços. Porque sem eles, o forno não podia funcionar.

Nos fornos públicos, para além do pão coziam-se as célebres costas ou bolos fintos, tradicionais na quadra pascal. Bolos de lata; como o bolo enrolado, bolo bacia e as broas. Bolos de casamento e batizado ou outros eventos festivos. Os assados de borrego ou de peixe da ribeira e tudo o mais que fosse comestível. Quantas histórias de vida contadas à boca do forno, quantas mágoas e lágrimas partilhadas, quanto riso e brincadeiras ali foram cozinhadas, entre labaredas…

Era no forno da Ti Patílha, que a minha mãe cozia o pão que comíamos lá em casa. Certamente pelo grau de parentesco que une as duas famílias. O marido desta forneira era meu tio-avô.

A amassadura do pão era um ritual em cada casa. Naquela época fazia parte de uma das tarefas do lar. O dia da amassadura do pão em casa dos meus pais era considerado para mim, dia de festa, acredito que o fosse também para a maioria das crianças. Todo o processo da amassadura, desde o seu início até ao final, era seguido por mim, com olhos de ver e por vezes também tomava parte ativa em pequenas tarefas. Em casa dos meus pais o pão era amassado quinzenalmente. Porém nas casas onde o agregado familiar era em maior número faziam uma amassadura semanal.

Todas as meninas na sua aprendizagem como donas de casa e mulheres prendadas tinham que saber amassar, era fundamental porque o pão era um bem essencial.

Na véspera da amassadura do pão, a forneira tinha que ser avisada. Pois só podia colocar dentro do forno, uma certa quantidade de pão. E, entre uma cozedura e outra, existia por norma um certo espaço de tempo. Competia à forneira, indicar qual a hora a que a freguesa deveria iniciar a amassadura. Tudo iria depender do número de cozeduras, que já tivesse destinado para esse dia. Concluo, que existiam regras e que as pessoas tinham de cumpri-las. Só que o faziam sem discussões ou atropelos. Talvez por não viverem a contra relógio, como nós vivemos nos dias de hoje. Depois de todo o processo da amassadura restava aguardar que a massa fintasse…

De vez enquanto, convinha espreitar a massa, para ver se esta estava muito demorada. Por fim chegava a hora de tender. Colocava-se a tábua (de tender) em cima do alguidar e a primeira função era retirar uma boa porção de massa, para guardar como fermento de pão em massa, para a próxima amassadura. Fermento esse, que algumas vezes era trocado entre amigas e vizinhas. Seguidamente iam-se retirando pedaços de massa, mais ou menos com o mesmo tamanho, e moldava-se o pão com a forma desejada. Não esquecendo o sinal característico que o iria diferenciar dos outros, que iriam entrar no forno ao mesmo tempo. O nosso pão tinha duas maminhas na cabeça, ou topo. As próprias mulheres, já conheciam os sinais umas das outras. Até porque algumas delas tinham os mesmos dias para cozer o pão. Depois de tendido, era tapado com o panal (branco), ficando dentro do tabuleiro (de madeira), a repousar durante algum tempo, antes de ir para o forno. De seguida, era chegado o momento mais desejado por mim e por um grande número de crianças. Aquele, em que a mães faziam uns miminhos doces, para toda a família e nós saboreávamos com deleite: as merendeiras, um pão em miniatura, destinado às crianças, o pão com chouriço; massa de pão, rodelas de chouriço (caseiro), cuja gordura, envolvida na massa, lhes dava um sabor único e característico. As costas de manteiga; confecionadas com a massa do pão azeite, banha de porco e açúcar. Os bolos sovados; massa de pão, azeite e açúcar. A boleima caseira; massa de pão, açúcar, canela erva-doce, azeite, limão. Os esquecidos; uma espécie de bolachas, muito estaladiças. As petingas no forno, que nesse dia na janta, serviam de acompanhamento, à tradicional sopa de feijão com couve, ou caldo verde. Na época dos marmelos ou gamboas, também se levavam a assar no forno e ao jantar, comíamo-los como sobremesa. E quase nunca faltava, uma lata com farinha para torrar. A farinha torrada era utilizada para o fazer o caldo que muitas crianças ou as pessoas mais idosas bebiam de manhã, porque lhe dava maior sustento.

Ao recordar todos estes manjares, quem não fica com água na boca?

De tabuleiro à cabeça, servindo-se de uma rodilha ou sogra para o apoiar, lá iam as mulheres a caminho do forno. O forno era um espaço bastante amplo. Tendo dois amplos poiais laterais, a todo o seu comprimento. Nestes, as mulheres depositavam os tabuleiros e os restantes acessórios.

Quando entrava lá dentro, ficava extasiada olhando o trabalho árduo da forneira, que preparava o forno, para que este aquecesse. Com a ajuda do forcado de madeira, a Ti Patílha ia colocando os vários feixes de chamiços. A lenha queimada transformava-se em brasido. Para que todo o brasido ficasse amontoado, conservando o calor por mais tempo, a forneira juntava-o num monte, na entrada do forno. Com uma enorme vassoura (feita de estevas ou piorno. Com ela varria o forno, para um só lado. Tentando deixar o solo o mais limpo possível, de cinza e carvão. Em seguida atirava-lhe um punhado de farinha, para se certificar da temperatura do forno. Se o resultado do teste realizado tivesse o efeito desejado começava de imediato a colocar o pão em massa dentro do forno utilizando-se uma comprida pá de madeira.

Cada fornada levava em média duas ou três cozeduras de pão. Por fim, trancava a enorme porta do forno (feita de ferro) e restava-nos esperar, que o pão cozesse. Enquanto isso, as mulheres ficavam em amena cavaqueira. Falando da sua própria vida ou da do alheio. Por vezes, ficávamos por perto, tentando captar a conversa. Pois alguns dos temas de conversa despertavam-nos interesse. Já que muitos deles eram tabu para nós crianças. Mas quando alguém se dava conta que os nossos ouvidos estavam atentos, diziam: Arredem daqui cachopos, na querem lá ver? Já a formiga tem catarro. E nós batíamos com os calcanhares no rabo e desaparecíamos dali, para ir brincar por perto. O tempo passava, e o pão estava cozido. De cada lado da pá, colocava-se uma pessoa, para apanhar o seu pão. Ao segurá-lo, davam-lhe uma forte palmada, para retirar o excesso de cinza. Colocando-o por fim no tabuleiro. Era chegada a hora do pagamento pelo serviço prestado. Que se bem me recordo poderia ser feito com o pão acabado de cozer ou dinheiro. No caminho de casa, o cheirinho a pão quente, abria-nos o apetite. A primeira coisa que a minha mãe fazia, era partir um dos pães em pequenos nacos, e colocá-los num prato. Temperava-os com azeite. Polvilhava-os com açúcar, e comíamo-lo ainda fumegante. A este pitéu, dá-se-lhe o nome de Tiborna. O pão que atualmente se fabrica, não tem qualquer semelhança com o nosso pão caseiro. Pela qualidade da farinha, o envolvimento da amassar ser realizado através de máquinas e não manual e principalmente, não ser cozido em fornos de lenha.

Francisca Rita C. Costa
Fevereiro 2021

 

Continuar leitura
Clique para comentar

Deixe uma Resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Atualidade

A brincar é que a gente se entente

Publicado

em

Por: Maria Alves. Atriz.

Metamorphose Centro de Divulgação Artística 

Ao olharmos o mundo pela primeira vez somos uma página em branco, pelo menos é assim que eu gosto de pensar. Vamos em busca da descoberta e das surpresas por este planeta de cores e sentidos especiais, onde há tanto por descobrir.

As histórias transformam-se em viagens inimagináveis, onde a imaginação naufraga num barco de piratas conquistado pela criatividade do pequeno ouvinte. A criança tem esta apetência natural para sonhar acordada com um olhar atento aos pequenos detalhes que giram à sua volta.

IM000655.JPG

A arte, na verdade, encontro-a no próprio ser ao ser como é. A preciosidade do que somos ao chegar a este universo não tem limites, esses aparecem mais tarde, quando chega o momento de vestirmos a camisola em conformidade com a sociedade. Até lá o risco é a melhor ferramenta.

Quando brincamos os sentidos acordam, as palavras voam, a matemática saltita por entre pegadas, as ciências mergulham nos rios e as artes misturam tudo num grande jogo. O jogo é o meio para alcançar os benefícios das práticas coletivas e o que daí advém, a consciência está no jogo e nos seus objetivos e por isso ganha um carácter libertador, no qual a comunicação e interação se fortalecem sem ser algo forçado aos olhos do jogador. De acordo com Konrad Langer, na sua Teoria do Exercício Complementar, «o jogo visa, antes de tudo, completar o Eu.»(Langer apud Sousa, 2003).Escondemo-nos enquanto alguém conta os números até se cansar, falamos silabicamente ao chamar 1,2,3, Macaquinho do Chinês, rimos quando alguém imita a professora a fazer a chamada ou o vizinho da bengala a correr atrás de nós depois de tocarmos à sua campainha.

Afirmar que as artes são essenciais no crescimento de todos nós parece-me pouco, porque a importância está na capacidade de unirmos todas as áreas do conhecimento e brincar ao faz de conta. Encontrar na aprendizagem o jogo da expressão dramática, o corpo desperto pela dança, o ouvido atento aos sons da rua, a vontade de pintar paisagens e construir esculturas moldadas pelas nossas mãos. Isso tudo é vital e torna-se imprescindível quando a criatividade primordial nas artes catapulta para algo insubstituível na vida de todos nós.

A arte tem este dom de conseguir fazer com que cada pessoa tenha a possibilidade de descobrir a sua capacidade de expressão, de tomar consciência do seu próprio corpo, de construir a sua linguagem, de observar, de escutar e conhecer o outro. Segundo Tolstoy «Art is not a handicraft, it is the transmission  of feeling the artist has experienced» (Diffey, 2015).

Continuar leitura

Cultura

Sertório Ramalho

Publicado

em

Por : Margarida Nunes

 

Sertório Ramalho, um artista multifacetado, apresenta de 3 de Junho a 31 de Julho, no Centro Cultural de Cabeção, a exposição denominada “Arte e Tradição” onde se incluem peças originais das suas coleções particulares e réplicas confecionadas pelo próprio.

Dado que esta edição do Atão é maioritariamente dedicada à criança, pedimos a Sertório que nos contasse um episódio de infância.

“Eu em criança era endiabrado, vivaço e traquinas!”

Riu-se

“Os meus vizinhos sofriam. Arrancava os pés às melancias, pisava as nabiças e comia as melhores laranjas. Para não falar, que com uma cana e uma lata, todos os dias batia nos muros a infernizar a vida aos velhotes”

Tornou a sorrir

“A minha mãe tinha-me proibido de tomar banho no canal, por ser demasiado perigoso. Um dia fui com três amigos para o canal e a minha mãe soube.

Foi até lá, pegou na minha roupa, e com uma vara de marmeleiro na mão, obrigou-me a voltar para casa, a toque de caixa, e …TODO NU!”

– E então?

“Fiquei com o rabo empolado, mas aprendi a lição.”

Sertório Ramalho, 48 anos, nasceu em Lisboa mas é de matriz morense. `Trabalha na Câmara Municipal de Mora. É músico e professor de música.

Visitar a sua exposição é visitar as tradições do concelho.

É sentir o amor sem limites de um filho que, após a cegueira da progenitora devido às diabetes, honrou o seu trabalho artístico continuando a executar, com mestria, os seus bordados e tricôs.

 

Continuar leitura

Atualidade

Coaching para Pais

Publicado

em

Por:  Cristina Valente 

 Educar é decidir entre vários caminhos. Educar implica refletir sobre o que queremos para os nossos filhos. Como os queremos educar? Que adultos queremos que sejam no futuro? Nenhum de nós nasceu com a competência para ser pai ou mãe. E a intuição não basta. É preciso trabalho e ter vontade de aprender.


Sinopse

Em O Que se Passa na Cabeça do Meu Filho?, a psicóloga Cristina Valente apresenta ferramentas úteis para entender os estados mentais e as necessidades emocionais dos filhos, desde as primeiras birras à adolescência.

Numa abordagem original e muito prática, a autora identifica diferentes situações com que os pais se defrontam no dia-a-dia, de três perspetivas diferentes:

– O que a criança está a pensar ou a sentir; – O que os pais estão a pensar; – As chaves para resolver com calma e eficácia todos os desafios.

Sinopse

Socorro, tenho um filho adolescente em casa!

Cristina Valente, explica-nos que a capacidade de antecipar é uma das competências fundamentais em pais de adolescentes. Enquanto os pais reativos esperam que aconteça um problema e tentam resolvê-lo «em cima do joelho», os pais proativos preparam-se e planeiam cuidadosamente o que fazer, dizer, sentir, decidir.

Com estratégias, conselhos práticos e ferramentas úteisO Que se Passa na Cabeça do Meu Adolescente? ensina-nos a perceber os comportamentos, a compreender o seu cérebro, as mudanças porque passam, as suas emoções, a melhor comunicar com eles, sem discussões nem lutas de poder.

Cristina Valente garante-nos que o melhor que podemos dar aos nossos filhos adolescentes é a capacidade para saber tomar boas decisões, escolher o seu caminho e dar-lhes asas para voar em segurança.

Sinopse

A loucura dos dias que vivemos tem servido, sobretudo, para enterrar emoções, para educar mais com a cabeça do que com o coração, para nos virarmos mais para fora, para o que é visível e racional… do que para dentro, para o que somos e sentimos. Como consequência, são muitos os pais que se encontram confusos, exaustos e sem esperança. Maior ainda é o número de crianças e adolescentes que se sentem incompreendidos, desconectados e até mesmo perdidos.

Cristina Valente, traz-nos um livro prático, com dicas e exercícios para ajudar a fomentar a comunicação afetiva e a linguagem emocional entre pais e filhos. Aqui, apresenta-nos uma nova visão da educação, baseada no exercício do amor verdadeiro e na conexão com a mente e com as emoções uns dos outros.

Um livro repleto de ferramentas que permitem fazer mudanças na forma de ensinar regras e valores a filhos e alunos, bem como a lidar com as suas emoções de forma inteligente e positiva. Só quando os ensinamos a identificar e a gerir os seus estados emocionais é que eles conseguem mudar comportamentos. E quando isso acontece, os resultados melhoram.

Ensinar crianças e adolescentes a tornarem-se emocionalmente inteligentes faz com que aprendam a lidar com as emoções e a desenvolverem competências para enfrentarem o mundo tal como ele é.

 Toda a informação foi retirada do site da editorial Presença onde os livros referidos podem ser adquiridos.

Cristina Valente é formada pelo I.S.P.A. – Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa) e Master Practitioner em Programação Neurolinguística, formada pelo INEXH – Instituto Nacional de Excelência Humana (São Paulo, Brasil). É trainer da Equipa de Lisboa e da Madeira do Treino das Emoções / DL – Desenvolvimento e Liderança, assim como da versão para Adolescentes (DL Jovem). É autora de Coaching para Pais e O Que se Passa na Cabeça do Meu Filho? Concebe formações online de coaching parental para colégios e empresas, assim como consultas in home visits, workshops, palestras. Começou a trabalhar quando era ainda adolescente, fez carreira como apresentadora, jornalista e editora nas áreas da Educação e Cultura na RTP, RTP Açores, TVI e Canal de Notícias de Lisboa (atual SIC Notícias). Foi quadro superior numa multinacional portuguesa nas áreas da Formação e Responsabilidade Social. Cristina Valente é mãe de dois adolescentes, Tiago e Constança.

Continuar leitura

Trending

Copyright © 2021 SOMOS