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Cultura

Crónica 1 – “Pouca terra, muita terra”

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Por Carlos Plácido

Índice

  1. “Período de Antecipação “ – 1825 a 1908
    1. O aparecimento
    2. A transição
  2. “Período de Existência” – 1908 a 1990
    1. Intervalo de Tempo entre 1908 e 1918
    2. Intervalo de Tempo entre 1918 e 1938
    3. Intervalo de Tempo entre 1938 e 1948
    4. Intervalo de Tempo entre 1948 e 1961
    5. Intervalo de Tempo entre 1961 e 1974
    6. Intervalo de Tempo entre 1974 e 1990
  3. “Período de Ensejo” – desde 1990 até à atualidade
  4. Considerações

Breve história da Linha da Ponte de Sôr – Ramal de Mora – Ecopista do Ramal de Mora

A história da linha férrea que ligou Évora a Mora situa-se entre 1863 e 1990.
Mas para compreender a sua existência e função, o melhor é mesmo fazer uma viagem cronológica:

I-“Período de Antecipação” – 1825 a 1908
II-“Período de Existência” – 1908 a 1990
III-“Período de Ensejo” (1) – desde 1990 até à atualidade.
IV-Considerações

  1. O Aparecimento

“O Caminho de Ferro no mundo aparece em Inglaterra, como corolário da Revolução Industrial e da aplicação do vapor ao transporte de pessoas…em 25 de setembro de 1825”

  1. A Transição

“Preocupações ferroviárias de D.Pedro V  – Os caminhos de ferro em Portugal começaram a tomar corpo, quando a 7 de julho de 1851 entrou para o Governo, como Ministro da Fazenda Pública, um jovem tenente de engenheiros, de nome de António Maria Fontes Pereira de Melo, conquistando rapidamente a confiança do Príncipe Real e do Duque de Saldanha, também, muito interessados pelos Caminhos de Ferro.

Em 1852, o Príncipe Real visita Inglaterra e nas suas deslocações utilizou várias vezes o comboio, tendo ficado entusiasmado com a rapidez das viagens sobre os carris, registando no seu “Diário” estas impressões:

  • Que vantagens não retiraria o meu pobre país de um Caminho de Ferro?
  • Quanto não fertilizaria e enriquecia ele o comércio do Alentejo, que fonte de prosperidade não seria ele para o país?
  • Mas quando se fará ele?

Portugal pretendia ligar-se a Espanha, e daí à Europa, bem como aproximar as duas maiores cidades do Reino: Porto e Lisboa.”

Fonte: Revista Transportes XXI, autoria de Rosa Gomes

Esta viagem permitirá contar parte da história do comboio no Ramal de Mora.
Todos a bordo. Apita o comboio. A viagem começa – agora.

Em 1863, mais precisamente no dia 14 de setembro, o comboio chegou a Évora.
No ano seguinte, a 14 de fevereiro chegou a Beja.
Anos antes, precisamente a 30 de outubro de 1856, o primeiro comboio a circular em Portugal, chegara ao Carregado, seguindo por Santarém, Entroncamento, Abrantes, Ponte de Sôr, Torre das Vargens, Portalegre, terminando em Elvas, ficando classificada como “Linha do Leste”, ligando Lisboa a Badajoz a 24 de setembro de 1863, apenas dez dias depois de ter chegado a Évora, satisfazendo assim a Coroa Portuguesa e Espanhola.
As cidades alentejanas de Évora e Beja, ficaram assim servidas pelo mais moderno transporte – o comboio, mas eram fim de linha, ou seja, a linha terminava nelas.

Em 1877, o Governo nomeou uma Comissão Técnica que desenvolveu os estudos para continuar a construção de linhas férreas no Alentejo e o seguimento das linhas até aí construídas.
Assim nasceria a futura “Estrela de Évora” ou uma bifurcação de três novas linhas:

  1. “Linha do Guadiana” – que seguiria a Reguengos de Monsaraz;
  2. A continuação da Linha de Évora até Estremoz e Vila Viçosa;
  3. e “Linha da Ponte de Sôr” –  ligando Évora, Arraiolos, Pavia, Cabeção, Mora, com seguimento à Ponte de Sôr, localidade com estação integrada na Linha do Leste.

O concelho de Mora seria assim contemplado com uma excelente ligação por linha férrea, permitindo fazer circular passageiros e mercadorias entre o norte, centro e sul do país.
Esta “Linha da Ponte de Sôr” fazia parte do grande sonho de João Crisóstomo d’ Abreu e Sousa, Inspetor de Obras Públicas que idealizou a construção de uma “grande linha longitudinal” de Bragança a Beja, podendo seguir ao Algarve ligando todo o interior do país, criando uma linha paralela com a futura “Linha do Norte”.

Em 1 janeiro de 1895, o mapa do caminho de ferro era este:

Em 1899, no dia 14 de julho, o Governo criou a empresa “Caminhos de Ferro do Estado”, como entidade administrativa e entregou a sua gerência a um Conselho de Administração.

Nesse mesmo ano e como resultado dessa decisão foram aprovados os projetos ferroviários do Plano da Rede Complementar ao Sul do Tejo, onde se encontrava a “Linha da Ponte de Sôr”, em via larga que ligaria a rede do Sul e Sueste (Linha de Évora) com a “Linha do Leste”.
A justificação era por ser indispensável a construção de pelo menos uma ligação entre as redes ferroviárias do sul e do centro, sendo apontada como a melhor e mais útil das hipóteses apresentadas.

Em 1902, Paçô Vieira , um grande impulsionador do caminho de ferro em Portugal, propôs construir uma linha que servisse o centro do Alentejo e chamou-lhe de “Linha do Vale do Sorraia” ligando Sousel (Linha de Portalegre) a Avis, por Cabeção, Mora, Couço à Quinta Grande (Linha de Sant’Anna ou futura Linha de Vendas Novas).

Fig.1 – a tracejado as linhas projetadas e não construídas até 1903.

Em 1903, no seu início “uma comissão de lavradores e proprietários de Évora, Arraiolos, Pavia, Cabeção e Mora espalhou uma circular por todas as povoações interessadas nesta projetada linha, pedindo-lhe que envidem todos os esforços para que o Governo decrete quanto antes aquela construção. Pela sua parte, as povoações que receberam o convite, já também trabalham nesse sentido com todo o entusiasmo. Ao que nos parece, a ideia seria formar uma grande comissão de todas as pessoas, e tratando essa de obter concessões de terrenos e outras facilidades prestadas pelas localidades que vão beneficiar com a linha, dirigir-se-ia ao Governo que assim poderia atender com mais presteza tão justos desejos.”

“Há uma verdadeira febre ferroviária” – noticiou a Gazeta dos Caminhos de Ferro n.º 370

A 16 de março, iniciaram as obras de ampliação na estação de Évora, de forma a preparar os inícios das futuras linhas da Ponte de Sôr e do Guadiana.

A 7 de maio surgiu o decreto que adicionou a proposta de Paçô Vieira ao Plano da Rede Complementar ao Sul do Tejo que contemplava duas linhas de via reduzida:

  1. a “Linha de Portalegre” – que ligaria Estremoz, Sousel, Fronteira, Cabeço de Vide à estação de Portalegre já integrada na “Linha do Leste” e à cidade de Portalegre num pequeno troço, que seguiria futuramente a Marvão e a Espanha;
  2. a “Linha do Vale do Sorraia”, nascendo na proximidade de Fronteira, passava a Ervedal, Avis, Maranhão, Cabeção a Mora, seguindo pelo Couço à Quinta Grande (estação na Linha de Vendas Novas)

A “Linha do Vale do Sorraia” serviria uma zona de grande desenvolvimento agrícola, numa zona quase sem estradas e permitia ligar Estremoz com 3 linhas férreas:

  1. à Linha de Ponte de Sôr,
  2. à do Leste
  3. e à de “Sant’Anna” (Linha de Vendas Novas).

Poderia também, desviar algum tráfego da “Linha de Évora”, o que poderia ser compensado pelo que leva à Ponte de Sôr e de Évora.
O projeto tinha apenas dois pontos a ter em consideração:

  1. teria se ser construída em via reduzida, por imposição de ordem militar;
  2. teria de ser aprovada pela Companhia Real, que explorava a “Linha do Leste” ali próxima.

Em maio, foram encarregados Cecílio da Costa e Nepomuceno de Lacerda de elaborar o projeto da “Linha da Ponte de Sôr”, devendo apresentar sucessivamente as seções de Évora a Arraiolos, de Arraiolos a Pavia e de Pavia ao Raia ( ou rio Raia, junto à futura estação de Mora) – cerca de  60 kms de linha férrea.
Só após o estudo destas seções, se procederia ao estudo das que ficam entre o Raia e a Ponte de Sôr.
Infelizmente, por a “Linha do Vale do Sorraia” ser em parte paralela à “Linha do Leste”, da qual se distanciava menos de 40 kms, o projeto não foi aceite pela concorrente Companhia Real, não restando outra alternativa ao Governo que não desistir. Mora perdeu assim a sua segunda oportunidade (2)

Em julho, foi publicada a lei autorizando a construção da “Linha da Ponte de Sôr”, financiada pelo Fundo Especial de Caminhos de Ferro, autorizada por lei de 1 de julho desse mesmo ano, aprovado pelas portarias de 29 de março e 22 agosto de 1904.
No parlamento, as discussões sobre o mapa ferroviário subiram de tom e alguns deputados mostraram grandes apreensões e receios pelo empréstimo de 7.000 contos que o Governo pensava fazer para realizar a construção de todas as linhas, onde se incluía a “Linha da Ponte de Sôr” com cerca de 100 km.
A preferência era de ir pedindo empréstimos à medida da necessidade de construção, usando emissões sucessivas de dívida pública, uma vez que as receitas de exploração das linhas já construídas começariam a surgir.

Em setembro, o troço até Arraiolos já tinha sido estudado e iniciadas as expropriações e construídas algumas obras de arte junto à estação de Évora. As populações locais apoiaram a construção da linha, tendo os próprios habitantes de Arraiolos estudado e proposto itinerários possíveis, escolhendo-se o mais agradado, tendo sido aprovado o projeto do Engenheiro José Cecílio da Costa. Para isso, os proprietários locais ofereceram os terrenos necessários para a construção de cerca de 15 km de via férrea na zona de Pavia e Cabeção.

A 14 de setembro, o Governo ordenou a construção de uma ponte sobre o Rio Raia, junto à futura estação de Mora, com dois tabuleiros, sendo um para a via ferroviária e outro para a circulação rodoviária.
Em outubro de 1903, assinou-se o contrato para o primeiro empréstimo no valor de 1.500 contos, para a construção de várias linhas no Alentejo, incluindo a “Linha da Ponte de Sôr”.
Em boa hora as obras de construção iniciaram, demorando cerca de 4 anos.

A 20 de abril de 1907, foi autorizada a abertura provisória entre Évora e Arraiolos.
A 21 de abril, o mesmo foi aberto ao público.
A 22 de maio de 1908, foi autorizada a abertura provisória entre Arraiolos e Pavia.
A 25 de maio, o mesmo foi aberto ao público.
A 1 de julho as obras entre Pavia, Cabeção e Mora ficaram concluídas.
A 11 de julho, foi autorizada a abertura até Mora.
A 16 de julho foi festivamente inaugurado o último troço, permitindo circular o comboio inaugural num evento público.

Em 1909, a 1 de fevereiro deu-se o regicídio e o país deu uma reviravolta política.
Os novos mandatários reavaliaram todo o mapa ferroviário em construção e algumas linhas passaram a ramais como a “Linha da Ponte de Sôr”. Mora, mais uma vez, a terceira vez, perdeu a oportunidade de estar no centro do caminho de ferro português.
O projeto inicial foi reduzido em 40 km, tornando Mora o fim de linha, nascendo assim o “Ramal de Mora”.

Quanto ao desenho da linha em si, o serviço às populações foi preterido em benefício dos agricultores e donos das terras, que assim puxaram a brasa à sardinha, fazendo uma negociata para que as estações não fossem próximas das vilas, mas perto dos seus terrenos. Pavia está a cerca de 2 km e Cabeção a mais de 8 km.
E foi esse golpe final que ditou o fim do caminho de ferro no concelho de Mora em 1990.

II – “Período de Existência” – 1908 a 1990, subdividido em 6 intervalos de tempo:
1908 a 1918; 1918 a 1938; 1938 a 1948; 1948 a 1961; 1961 a 1974 e 1974 a 1990

Intervalo entre 1908 e 1918:

Em 1908 o Ramal iniciou o seu primeiro período de desenvolvimento comercial. Nesse tempo, as locomotivas a vapor transportavam tudo o que se queria vender e traziam tudo o que se queria comprar.
De Pavia, por exemplo, despachavam-se como mercadoria – fenos, carvão, animais e até cavalos.
De Cabeção quase igual, e de Mora, a vila do concelho, já seriam outros produtos como adubos, madeiras, ferramentas, legumes e até artigos para as lojas como loiças, roupas e móveis vindos de toda a parte do país.
A 5 de outubro de 1910 foi proclamada a República Portuguesa e o país parou.
Montargil e Chamusca pediram ao Governo que a linha até Mora, fosse prolongada até ao Entroncamento ou Abrantes, passando pela Chamusca e por outras localidades do Concelho.
A 1 de maio de 1914, foi apresentado um projeto no parlamento, para autorizar o Governo a construir o lanço em falta da “Linha da Ponte de Sôr”, troço entre Mora e Rui Vaz  da “Linha da Ponte de Sôr”.
Em 1914 surgiu a Primeira Guerra Mundial e a exploração sofreu o seu primeiro impasse, assim como a circulação de comboios pela falta de carvão. A Guerra terminou em 1918.

Intervalo entre 1918 e 1938

A “Linha da Ponte de Sôr” iniciou o seu segundo período de desenvolvimento comercial, contribuindo para o desenvolvimento do concelho de Mora, com aumento do número de comboios de passageiros em cada sentido e comboios de mercadorias apenas realizados para esse efeito. Os comboios mistos teriam de esperar.
Em 1922, o projeto para a ponte sobre o Raia ainda não estava elaborado e o troço entre Mora e Montargil ainda não tinha qualquer estudo preparatório.
Nesse mesmo ano, em 25 de agosto surgiu a lei n.º1:327 que parecia assegurar a concretização do troço final entre Mora e Ponte de Sôr. Essa lei garantia que as dotações consignadas para qualquer das obras indicadas no seu artigo 1º, que não poderiam ter aplicação diferente daquela a que eram destinadas.
Em 1926 e em jeito de batota política, surgiu a facada final para a “Linha da Ponte de Sôr”.
Em 30 de setembro e pelo decreto 12:400 foi retirada o fundo reservado para a finalização do troço de Mora a Montargil e transferido para a “Linha de Sines”, uma vez que aquele projeto tinha maior prioridade, por os 22 kms de linha apresentarem um rendimento correspondente a 50 kms e por já estarem a bom ritmo de obra as terraplanagens e as obras de arte, assim como retornar um alto rendimento comercial o serviço e por se tratar duma região em que o serviço de mercadorias e passageiros representava um retorno elevado para a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado. Foi assim transferida a verba de 2:300.000$ que seria transferida para o assentamento de via no Ramal de Sines.
A 14 de dezembro ainda houve movimentação das autarquias mas o sonho de unir Évora à Ponte de Sôr acabou.
Assim nasceu o “Ramal de Mora”.

Em 1927 os Caminhos de Ferro do Estado foram integrados na CP – Caminhos de Ferro Portugueses e o “Ramal de Mora” passou a ser explorado por esta companhia.
No fim de 1928 surgiu uma nova oportunidade para o “Ramal de Mora”.
A “Campanha do Trigo” lançada pelo Estado Novo entre 1929 e 1938 forçou o desenvolvimento do Alentejo e tinha como principal objetivo criar o celeiro de Portugal, conseguindo assim atingir a autosuficiência em trigo.
Em 1930 e já num sonho, o Ministro João Antunes Guimarães até apresentou mais linhas a ligar a Mora:

  1. “Linha de Mora” ou o já construído troço entre Évora e Mora, passaria de “Ramal de Mora “ a“Linha de Mora” ligando Évora a Couço;
  2. “Linha do Sorraia” (Fig.2) que nascia em Lisboa (Beato) com travessia até Aldeia Galega / (Montijo) ao Pinhal Novo (sendo classificada mais tarde como Ramal do Montijo)seguindo por Alcochete a Couço e daqui a Mora, seguindo a Montargil e finalizando em Ponte de Sôr;
  3. A vila de Cabeção também seria beneficiada, pois seria inserida no projeto do “Ramal de Avis” que nasceria em Fronteira (Linha de Portalegre), passando por Avis e finalizando em Cabeção, onde se seguiria a Mora ou a Évora.

Como o Ministro saiu em 1932, os projetos nunca foram concluídos.

Figura 2 – Projeto para a construção de duas pontes ferroviárias entre Lisboa e a margem sul. À direita, a Ponte do Beato ao Montijo, considerada de maior vantagem por “unir Portugal de norte a sul”colocando Lisboa a menos de uma hora da fronteira, por “prestar melhor às ligações ferroviárias” e “uma vez que em caso de destruição da ponte por motivo de guerra, terramoto, etc., não haver prejuízo importante para a navegação que utiliza o porto de Lisboa, ao contrário do que sucederia com a ponte situada sobre o troço mais estreito do rio, cuja destruição poderia causar o engarrafamento do porto.” GCF n.ºs-1111/1937 e 1202/1938.

Intervalo entre 1938 e 1948

Em 1939 iniciou a Segunda Guerra Mundial e a exploração sofreu novo impasse  no seu desenvolvimento.
O carvão usado pelas grandes locomotivas a vapor que faziam os comboios no Ramal de Mora começou a escassear, por o mesmo ser encaminhado para outras linhas mais importantes do país. As supressões passaram a ser frequentes e reduziram-se os comboios de mercadorias ao mínimo. E isso fez com que o número de clientes fosse cada vez menor. O Caminho de Ferro deixou de ser uma ajuda, para ser um problema.
O Alentejo tornou-se um estranho caso comercial. Continuava a ter uma grande capacidade de produção e muito pouca procura, por ter uma fraca densidade demográfica. Ou seja, os comboios chegavam quase vazios às estações do Ramal de Mora e eram considerados poucos para exportar todos produtos.
Em 1947 o Governo unificou todas as companhias de caminho de ferro e surgiu a CP – Caminhos de Ferro Portugueses.

Intervalo entre 1948 e 1961

Ultrapassado o conflito mundial, o Ramal iniciou o  seu um período de acalmia a partir de 1948.
As regiões e organismos interessados voltaram a pressionar o Governo para concluir os projetos de linhas férreas da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses até aí suspensos ou parados.
Portalegre, reclamou que a obra parada em 1913 em Cabeço de Vide seguisse à cidade. Abrantes, reclamou que a “Linha da Ponte de Sôr”, agora já chamada de “Ramal de Mora”, não terminasse em Mora e seguisse até à Ponte de Sôr.
“Não podem obter-se bons resultados de exploração, sem que a rede ferroviária esteja concluída e funcional.”
A realidade das linhas existentes era bem visível. Grande parte eram ramais, ou partes de linhas que nunca foram terminadas. Mora era um exemplo, Cabeço de Vide, Reguengos de Monsaraz e Moura, outros.
A Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, empresa que explorava a maioria das linhas férreas do país demonstrou o seu interesse de exploração ao Governo, afirmando que existia todo o interesse em unir Mora e Ponte de Sôr, uma vez que “eliminaria um dos mais extensos ramais da Rede do Sul e Sueste, viria facilitar e assegurar com a linha de Setil a Vendas Novas as suas comunicações com a rede do centro – Leste, Beira Alta, Beira Baixa e Norte.  Em opinião da empresa, o Ramal de Mora “deveria por isso em nosso entender ser a primeira eliminação de ramal a levar a efeito” (Fig.3)

Fig.3 – Mapa com as linhas construídas até Mora, Reguengos de Monsaraz, Moura e Cabeço de Vide, e por concluir daí até ao fim de linha previsto.

Com a preferência governamental pela construção em outras regiões, unir Mora a Ponte de Sôr passou de um sonho a pesadelo, terminando numa estocada final – o Governo abandonara a ideia de o concretizar.
Após o fim da Guerra, Londres reduziu a quantidade de carvão vendido a Portugal e começámos logo a sentir essa redução com a supressão de comboios no Ramal de Mora, uma vez que a frota de locomotivas ainda era a vapor, um material vagaroso, lento, poluidor e com um consumo dispendioso.
Terão sido estes alguns dos motivos que levaram a Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses a encetar a compra de comboios a gasóleo para todo o país, inclusive o Ramal de Mora.
A escolha foram automotoras NOHABS da série 050 ( ou Nohabs curtas) e mais tarde as da série 0100 ou “Joaninhas” por serem pintadas de branco e vermelho.
O Ramal de Mora passou assim a ser servido de “Joaninhas” no serviço de Passageiros e em comboios de serviço único a mercadorias.

Intervalo entre 1961 e 1974

A Guerra do Ultramar foi benéfica para a exploração comercial do Ramal de Mora, por serem necessários mais produtos vindos do Alentejo. Verificou-se mesmo um período de forte desenvolvimento com a movimentação de tropas e mercadorias.

Intervalo entre 1974 e 1990

“O caminho para o fim” – assim se poderia chamar um filme de terror sobre o fim do Ramal de Mora.
Em 1974, já as NOHABS tinham 25 anos de serviço.
As constantes avarias de material motor com supressões, a reduzida oferta de comboios, a escassez de passageiros e o surgimento do camião e da camioneta para transporte de mercadorias e passageiros contribuíram fortemente para um fim próximo.
As estações que até aqui não pareciam longe, passaram a ficar distantes das populações e as camionetas não.
As mercadorias por comboio tinham de circular por linhas e ser integradas em outros comboios até chegar a destino e as pedidas demoravam semanas a chegar, e o camião não.
Isto tudo junto, provocou uma redução do interesse do caminho de ferro e os comboios no Ramal de Mora passaram a ser “comboios mistos”, transportando junto passageiros e mercadorias, sendo o serviço mais vagaroso, por ser demorado nas transferências das mercadorias nas estações e incorporação/desincorporação de vagões.
Até que o serviço comercial se espremeu a um único “comboio misto” entre Évora e Mora, com paragem apenas em algumas estações para descarga de materiais, terminando em Mora, para descarregar meia dúzia de sacas de adubo. A velocidade era tão baixa que o comboio tinha de circular a menos de 3o km/h e efetuar paragem antes de atingir as passagens de nível existentes, para o manobrador fechar o sistema de barreiras, o comboio passar para parar mais à frente e esperar pelo homem, que procedeu à fecho do sistema de barreiras.
E isto repetia-se em todas as passagens de nível do Ramal de Mora.
Desta prática até ao fecho terão decorrido cerca de 3 a 4 anos. O serviço de passageiros terminou em 1987 e o de mercadorias em 1990.
O “Ramal de Mora” fechava para sempre.

III – No “Período de Ensejo” apresenta-se o “conjunto de circunstâncias propícias a algo” ou a “boa ocasião ou a oportunidade” que pode representar o conjunto de infraestruturas ferroviárias ainda existentes, depois de levados, abandonados, roubados e danificados.
O que resta, portanto.

Como se disse anteriormente, o Ramal de Mora fechou em 1990.
Dias depois, começou a levantamento de equipamentos existentes nas estações, como mobiliário, balanças, cofres, bilhetes, telefones e papelada,
Depois passou-se ao desmantelamento da linha, carris, sinais e travessas, levando-se o que era considerado como recuperado para Évora, sendo o restante largado pela linha e deixado nas estações fechadas, que logo passaram a ser roubadas, por ninguém proteger o que ficara.
Com o passar dos anos, tudo foi desaparecendo, o pouco que existia no interior, portas, janelas, madeiras e o que era aproveitado. Até um painel de azulejos da estação de Pavia foi furtado, ficando o buraco na parede lateral. A chuva foi tratando do que ficou e obrigou a madeiras dos telhados e do chão a apodrecer, fazendo cair edifícios levantados a custo do país em 1908.
Visitando as velhas estações, ainda se consegue compreender a antiga localização de algumas memórias como por exemplo o local onde se expunham os horários dos comboios e ainda sobrevivem alguns vestígios interessantes, como poços, fornos ou pontões.
Os velhos silos da estação de Pavia estão quase na mesma, abandonados desde a falência da EPAC.

IV – Considerações

Talvez o fim seja tudo cair. Ou talvez não.
É que as Autarquias de Évora e Arraiolos converteram a linha na ECOPISTA DO RAMAL DE MORA.
Visitando o local, podemos observar um bonito espaço para caminhar, passear em família e andar de bicicleta.
Na internet existem centenas de vídeos de ciclistas ou grupos a circular pela ECOPISTA até Arraiolos, pois a partir daqui, passasse a dois cenários:

  1. Um deles permite circular alguns quilómetros em terra batida livremente e outros obriga a fazer desvios à estrada regional 370 para regressar novamente ao troço e seguir a destino. As vedações dos proprietários impedem a passagem dos interessados.

“Ainda que o corredor por onde passa a antiga linha do Ramal de Mora continue a integrar o Domínio Público Ferroviário, alguns proprietários exorbitaram as suas prerrogativas, e pura e simplesmente assenhoream-se da antiga plataforma, obstruindo-a com vedações fixas, ou mesmo muros e valas. Isso acontece sobretudo, entre Arraiolos e Pavia. Daí para norte foram o mato e o abandono a tornar quase irreconhecível o antigo traçado ferroviário.”

Haja meditação sobre se é correto, legal ou aceitável que se coloquem vedações para impedir o uso da antiga linha férrea.
O concelho de Mora solicitou acesso e os proprietários das terras não cedem, e ninguém se entende, continuando o abandono e a oportunidade perdida de recuperar o antigo troço férreo entre Arraiolos e Mora.
A ECOPISTA entre Évora e Arraiolos está feita e pode ser usada na totalidade do troço de 15 km e foi fruto de um acordo entre as Câmaras e a REFER, permitindo salvar o possível, criando um corredor verde na zona de Évora, seguindo posteriormente um troço em campo aberto até Arraiolos.
Felizmente, não é assim em todo o país, pois em muitos concelhos as partes entendem-se e criam formas de ultrapassar as divergências. Pois no fim o que interessa é instalar a Ecopista.

Concluir o troço em falta entre Arraiolos e Mora traria desenvolvimento a Pavia e Cabeção, e ao concelho.
Vejamos:

  1. Recuperação dos antigos edifícios, pontes, túneis e troço, com obra realizada por empresas locais;
  2. Instalação de sinalética dando a conhecer os valores patrimoniais existentes;
  3. Se o acesso for vedado na passagem por terrenos particulares à saída de Pavia, que a pista siga na direção da vila para permitir usufruir dos serviços que Pavia tem, seja restauração ou o pequeno comércio. De regresso ao velho troço à saída de Pavia, seguiria-se junto à N251 até à antiga fábrica do carvão, para regressar ao velho troço e seguir até à estação de Cabeção. Aqui, poderiam existir dois itinerários:

3.1. um pelo velho troço, passando pelo antigo apeadeiro de “Pinga” já próximo do Parque Ecológico do Gameiro, a sul deste;
3.2. e outro por um novo criado pela estrada de acesso à vila de Cabeção, para entrar no fim do Passadiço do Gameiro até ao seu início junto à descarga, ao parque de merendas, parque de campismo e Fluviário.
Do Gameiro a Mora, o troço tem de desviar novamente pois a fábrica do Tomate tomou conta de parte do troço. Aproveitava-se o que era possível, desvia-se o necessário.
Chegando a Mora, termina-se em grande junto do Museu Interactivo do Megalitismo de Mora, edificado na antiga estação terminal ferroviária da vila de Mora.

Esperamos ter despertado o vosso interesse.
Na próxima crónica, daremos destaque especial à chegada do comboio a Pavia, Cabeção e Mora. Até lá.

Carlos Plácido

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Atualidade

A brincar é que a gente se entente

Publicado

em

Por: Maria Alves. Atriz.

Metamorphose Centro de Divulgação Artística 

Ao olharmos o mundo pela primeira vez somos uma página em branco, pelo menos é assim que eu gosto de pensar. Vamos em busca da descoberta e das surpresas por este planeta de cores e sentidos especiais, onde há tanto por descobrir.

As histórias transformam-se em viagens inimagináveis, onde a imaginação naufraga num barco de piratas conquistado pela criatividade do pequeno ouvinte. A criança tem esta apetência natural para sonhar acordada com um olhar atento aos pequenos detalhes que giram à sua volta.

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A arte, na verdade, encontro-a no próprio ser ao ser como é. A preciosidade do que somos ao chegar a este universo não tem limites, esses aparecem mais tarde, quando chega o momento de vestirmos a camisola em conformidade com a sociedade. Até lá o risco é a melhor ferramenta.

Quando brincamos os sentidos acordam, as palavras voam, a matemática saltita por entre pegadas, as ciências mergulham nos rios e as artes misturam tudo num grande jogo. O jogo é o meio para alcançar os benefícios das práticas coletivas e o que daí advém, a consciência está no jogo e nos seus objetivos e por isso ganha um carácter libertador, no qual a comunicação e interação se fortalecem sem ser algo forçado aos olhos do jogador. De acordo com Konrad Langer, na sua Teoria do Exercício Complementar, «o jogo visa, antes de tudo, completar o Eu.»(Langer apud Sousa, 2003).Escondemo-nos enquanto alguém conta os números até se cansar, falamos silabicamente ao chamar 1,2,3, Macaquinho do Chinês, rimos quando alguém imita a professora a fazer a chamada ou o vizinho da bengala a correr atrás de nós depois de tocarmos à sua campainha.

Afirmar que as artes são essenciais no crescimento de todos nós parece-me pouco, porque a importância está na capacidade de unirmos todas as áreas do conhecimento e brincar ao faz de conta. Encontrar na aprendizagem o jogo da expressão dramática, o corpo desperto pela dança, o ouvido atento aos sons da rua, a vontade de pintar paisagens e construir esculturas moldadas pelas nossas mãos. Isso tudo é vital e torna-se imprescindível quando a criatividade primordial nas artes catapulta para algo insubstituível na vida de todos nós.

A arte tem este dom de conseguir fazer com que cada pessoa tenha a possibilidade de descobrir a sua capacidade de expressão, de tomar consciência do seu próprio corpo, de construir a sua linguagem, de observar, de escutar e conhecer o outro. Segundo Tolstoy «Art is not a handicraft, it is the transmission  of feeling the artist has experienced» (Diffey, 2015).

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Cultura

Sertório Ramalho

Publicado

em

Por : Margarida Nunes

 

Sertório Ramalho, um artista multifacetado, apresenta de 3 de Junho a 31 de Julho, no Centro Cultural de Cabeção, a exposição denominada “Arte e Tradição” onde se incluem peças originais das suas coleções particulares e réplicas confecionadas pelo próprio.

Dado que esta edição do Atão é maioritariamente dedicada à criança, pedimos a Sertório que nos contasse um episódio de infância.

“Eu em criança era endiabrado, vivaço e traquinas!”

Riu-se

“Os meus vizinhos sofriam. Arrancava os pés às melancias, pisava as nabiças e comia as melhores laranjas. Para não falar, que com uma cana e uma lata, todos os dias batia nos muros a infernizar a vida aos velhotes”

Tornou a sorrir

“A minha mãe tinha-me proibido de tomar banho no canal, por ser demasiado perigoso. Um dia fui com três amigos para o canal e a minha mãe soube.

Foi até lá, pegou na minha roupa, e com uma vara de marmeleiro na mão, obrigou-me a voltar para casa, a toque de caixa, e …TODO NU!”

– E então?

“Fiquei com o rabo empolado, mas aprendi a lição.”

Sertório Ramalho, 48 anos, nasceu em Lisboa mas é de matriz morense. `Trabalha na Câmara Municipal de Mora. É músico e professor de música.

Visitar a sua exposição é visitar as tradições do concelho.

É sentir o amor sem limites de um filho que, após a cegueira da progenitora devido às diabetes, honrou o seu trabalho artístico continuando a executar, com mestria, os seus bordados e tricôs.

 

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Atualidade

Coaching para Pais

Publicado

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Por:  Cristina Valente 

 Educar é decidir entre vários caminhos. Educar implica refletir sobre o que queremos para os nossos filhos. Como os queremos educar? Que adultos queremos que sejam no futuro? Nenhum de nós nasceu com a competência para ser pai ou mãe. E a intuição não basta. É preciso trabalho e ter vontade de aprender.


Sinopse

Em O Que se Passa na Cabeça do Meu Filho?, a psicóloga Cristina Valente apresenta ferramentas úteis para entender os estados mentais e as necessidades emocionais dos filhos, desde as primeiras birras à adolescência.

Numa abordagem original e muito prática, a autora identifica diferentes situações com que os pais se defrontam no dia-a-dia, de três perspetivas diferentes:

– O que a criança está a pensar ou a sentir; – O que os pais estão a pensar; – As chaves para resolver com calma e eficácia todos os desafios.

Sinopse

Socorro, tenho um filho adolescente em casa!

Cristina Valente, explica-nos que a capacidade de antecipar é uma das competências fundamentais em pais de adolescentes. Enquanto os pais reativos esperam que aconteça um problema e tentam resolvê-lo «em cima do joelho», os pais proativos preparam-se e planeiam cuidadosamente o que fazer, dizer, sentir, decidir.

Com estratégias, conselhos práticos e ferramentas úteisO Que se Passa na Cabeça do Meu Adolescente? ensina-nos a perceber os comportamentos, a compreender o seu cérebro, as mudanças porque passam, as suas emoções, a melhor comunicar com eles, sem discussões nem lutas de poder.

Cristina Valente garante-nos que o melhor que podemos dar aos nossos filhos adolescentes é a capacidade para saber tomar boas decisões, escolher o seu caminho e dar-lhes asas para voar em segurança.

Sinopse

A loucura dos dias que vivemos tem servido, sobretudo, para enterrar emoções, para educar mais com a cabeça do que com o coração, para nos virarmos mais para fora, para o que é visível e racional… do que para dentro, para o que somos e sentimos. Como consequência, são muitos os pais que se encontram confusos, exaustos e sem esperança. Maior ainda é o número de crianças e adolescentes que se sentem incompreendidos, desconectados e até mesmo perdidos.

Cristina Valente, traz-nos um livro prático, com dicas e exercícios para ajudar a fomentar a comunicação afetiva e a linguagem emocional entre pais e filhos. Aqui, apresenta-nos uma nova visão da educação, baseada no exercício do amor verdadeiro e na conexão com a mente e com as emoções uns dos outros.

Um livro repleto de ferramentas que permitem fazer mudanças na forma de ensinar regras e valores a filhos e alunos, bem como a lidar com as suas emoções de forma inteligente e positiva. Só quando os ensinamos a identificar e a gerir os seus estados emocionais é que eles conseguem mudar comportamentos. E quando isso acontece, os resultados melhoram.

Ensinar crianças e adolescentes a tornarem-se emocionalmente inteligentes faz com que aprendam a lidar com as emoções e a desenvolverem competências para enfrentarem o mundo tal como ele é.

 Toda a informação foi retirada do site da editorial Presença onde os livros referidos podem ser adquiridos.

Cristina Valente é formada pelo I.S.P.A. – Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa) e Master Practitioner em Programação Neurolinguística, formada pelo INEXH – Instituto Nacional de Excelência Humana (São Paulo, Brasil). É trainer da Equipa de Lisboa e da Madeira do Treino das Emoções / DL – Desenvolvimento e Liderança, assim como da versão para Adolescentes (DL Jovem). É autora de Coaching para Pais e O Que se Passa na Cabeça do Meu Filho? Concebe formações online de coaching parental para colégios e empresas, assim como consultas in home visits, workshops, palestras. Começou a trabalhar quando era ainda adolescente, fez carreira como apresentadora, jornalista e editora nas áreas da Educação e Cultura na RTP, RTP Açores, TVI e Canal de Notícias de Lisboa (atual SIC Notícias). Foi quadro superior numa multinacional portuguesa nas áreas da Formação e Responsabilidade Social. Cristina Valente é mãe de dois adolescentes, Tiago e Constança.

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